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Sua Carta-Protesto, é válida?

Savio Ferreira de Souza
October 3, 2022

Sua Carta-Protesto, é válida?


Resumo: Com o advento do NVOCC (Non Vessel Operator Commun Carrier), os Protestos contra avarias enviadas pelos consignatários podem estar sendo encaminhados ao Armador, transportador físico da carga. Isto é inseguro, pois os NVOCC’s interpõe entre o exportador e o consignatário da carga, pelo que importadores podem estar protestando o Armador físico, com quem não possui contrato de transporte sem protestar o agente NVOCC que é, para ele, o transportador de suas cargas. Tal detalhe pode tornar sem efeito o Protesto efetuado pelo Consignatário final contra o Transportador de suas cargas, invalidando-o como meio de garantia de ressarcimento contra avarias causadas nos transportes, em todos os modais.


Importadores podem estar enviando Protestos (CCB-Art.754) aos transportadores sem os efeitos legais de proteção às suas cargas, por conta do uso de NVOCC’s que não protestam os Armadores contra avarias de cargas em que eles, na qualidade de embarcadores e consignatários da carga, são responsáveis.


Art. 750. A responsabilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado.


Art. 754 - as mercadorias devem ser entregues ao destinatário, ou a quem apresentar o conhecimento endossado, devendo aquele que as receber conferi-las e apresentar as reclamações que tiver, sob pena de decadência dos direitos. Parágrafo único – No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.


A rotina legal refere-se ao transporte tradicional, executado desde os primórdios da civilização por operadores de modais isolados (aéreo, marítimo, terrestre ou multimodal), quando embarcadores e destinatários figuram no Conhecimento de Carga emitido pelo transportador. No entanto, o uso da tecnologia facilitou e desburocratizou o uso de diferentes modais de transportes, permitindo que até aqueles que, sem possuírem veículos, possam efetivar uma operação de transporte como se transportadores físicos fossem, o que acontece quando agentes NVOCC intermediam a relação entre transportador e usuários finais.


O NVOCC (No Vessel Operator Common Carrier) inicou-se na década de 1980, quando navios Full Contêineres substituíram os de Carga Geral e a WORLDBRIDGE LINE, empresa do Grupo Pinho no Paraná, surpreendeu o mercado lançando a primeira Linha NVOCC para cargas de exportação do Brasil para o mundo, NVOCC’s operam comprando espaços por atacado em transportadoras com frota física (qualquer modal) para revendê-los no varejo à importadores/exportadores, auferindo pequenas margens de lucro. NVOCC’s são clientes das transportadoras que compram espaços naqueles veículos, por viagem, e os revendem a seus clientes. Para isso, reúnem cargas para transporte em um único Conhecimento, onde figuram como embarcadores de origem e nomeiam um agente consignatário de destino para recebê-las e efetuarem a entrega documental ao importador, após recebimento do frete. Isto os obriga a manter correspondentes em todos os portos, aeroportos ou mesmo em pátios de transportadoras terrestres.


NVOCC´s são, portanto, embarcadores e destinatários das cargas por eles angariadas tanto na origem quanto no destino. Transportam sem possuírem veículos próprios¹ , negociando espaços em transportadores físicos – denominados “de linha” – em cujos Conhecimentos de Carga figuram o NVOCC como EMBARCADOR e CONSIGNATÁRIO no Conhecimento (B/L) emitido pelo Armador. Este Conhecimento passa, então, a se denominar MASTER B/L, por receber um ou vários sub-Conhecimentos denominados HOUSE B/L – ligados inseparavelmente ao MASTER – onde consta os nomes de seus clientes: vendedores e compradores da carga.


Vistos a princípio como “atravessadores”, demorou pouco para que os usuários percebessem seu valor eis que os NVOCC’s são, legalmente, transportadores que se utilizam de espaços vazios nos veículos de linha dos Transportadores COM veículos em seus negócios, evitando prejuízos com espaços vazios. Negociando no atacado, NVOCC’s auferem boas tarifas na compra de espaços junto aos Transportadores pelo volume de carga que ofertam. Isto otimiza operações sem custo de venda aos Transportadores que recebem cargas dos NVOCC’s e que viajam sob a responsabilidade primária daqueles. Ambas operações complementam e agregam competitividade ao Mercado com vantagens ao Mercante e ao Mercador.


Atualmente Transportadoras reconhecem o NVOCC como aliado que os ajuda a enviarem cargas, sob sua responsabilidade, ao correspondente de destino que além de pagar taxas locais, desconsolida² e a disponibiliza ao Importador após receber fretes “collect” a serem enviados à origem após reterem sua comissão. NVOCC’s são Mercantes, prestadores de um bom e ágil serviço que reduz fretes e burocracias ao negociar tarifas com Cias marítimas/aéreas e terrestres para repassá-las aos Mercadores. Seu lucro advém do volume de fretes comprados no atacado para revenda no varejo a embarcadores. A prática é legal, constando timidamente em legislações seculares. Atualizá-las, exigiria reescrita de rotinas, fato que gera temor no mercado de que “a cereja comprometa o bolo”, pois qualquer nova prática enfrentará legislações dos primórdios da navegação e alterá-las trariam à tona práticas nem sempre escritas, com consequências ao mercado em geral, terreno onde uma vírgula pode interferir na operação, legislação e até em indenizações.


A legislação exige que cargas entregues a transporte, em qualquer modal, nominem o embarcador e o consignatário no Conhecimento, nada impede que estes sejam AGENTES interligados, vendendo espaços adquiridos junto aos Transportadores e responsabilizando-se por transportar cargas oriundas do exportador para o importador. A prática denomina-se NVOCC e “esconde” clientes exportadores e importadores do TRANSPORTADOR, interpondo-se a si mesmos como embarcadores e consignatários no Conhecimento de Carga quando emitido por um Transportador, independente do modal. A prática evita que o transportador conheça os fretadores do NVOCC assediando-os diretamente, protegendo os NVOCC’s de atravessadores. Nesta operação, o Transportador emite um Conhecimento MASTER – nominando um NVOCC na origem como EMBARCADOR e outro como CONSIGNATÁRIO no destino.


A operação permite que o NVOCC de origem atue sob a alcunha de Transportador (sem navio, aviões ou caminhões) frente a seu cliente, emitindo seu próprio Conhecimento-HOUSE B/L, ligado inseparavelmente ao MASTER B/L (onde constam os reais embarcadores e consignatários), impedindo eventual concorrência desleal. ORIGINAIS dos Conhecimentos NVOCC são entregues na origem ao exportador que os envia ao importador diretamente ou por Banco intermediador na compra e venda da carga. No destino o importador, após provar o pagamento da mercadoria a quem de direito e do frete mais as taxas ao NVOCC de destino, recebe deles os Conhecimentos HOUSE ORIGINAIS, livres para uso no processo de despacho das cargas junto à Receita Federal e outros órgãos controladores para ser, ao final, entregues ao importador.


Neste processo, caso ocorra faltas/avarias, cabe ao NVOCC PROTESTAR (art. 754 CCB) o ARMADOR, responsabilizando-o pelas mesmas. Se assim não proceder, assume a responsabilidade pelo fato. O uso do NVOCC impede que o Armador conheça os exportadores, embaladores e importadores importadores – eis que no B/L emitido constará um NVOCC como embarcador e um NVOCC como destinatário. Logicamente o ARMADOR só reconhecerá como consignatário NVOCC de destino e não os embarcadores reais.


Inicia-se, então, o RISCO para o consignatário-cliente do NVOCC de destino, que teve sua carga avariada pelo Transportador. Isto porque a relação NVOCC/ARMADOR só produz efeito entre eles, sendo “res inter allio acta aliis nec nocet nec prodest”³ frente aos usuários finais, não ligados comercialmente ao Armador, mas sim aos NVOCC´s, únicos reconhecidos como exportadores e importadores nesta modalidade de embarque.


Se só os NVOCC’s de origem e destino são reconhecidos como embarcadores e consignatários pelo armador, são eles que devem protestar ao Armador por danos na embalagem/carga. Do contrário, serão eles os responsáveis por danos causados durante o transporte o que é lógico, pois até então, são eles que figuram como embarcadores e consignatários frente ao ARMADOR, fato este que irá perdurar até que o NVOCC de destino desconsolide a carga, nominando os verdadeiros mercantes: exportador e importador. Isto só se faz após a entrega da mesma ao recinto portuário, o mesmo que anotou a avaria contra o Transportador em nome do NVOCC, na qualidade de consignatário que ele é. Se o NVOCC de destino, consignatário da carga, NÃO PROTESTAR por avarias o seu Transportador, assumirá ele o risco por eventuais prejuízos.


Por Lei, Transportador e NVOCC obrigam-se a emitir ressalvas entre si, porém, cabe ao NVOCC de DESTINO, aquele que recebeu a carga avariada, PROTESTAR como Consignatário que é, ao ARMADOR causador do dano. Isto se dá ainda que o mesmo não seja consignatário final do processo de transporte, mas é o único a quem o TRANSPORTADOR conhece como embarcador e destinatário daquela carga. Logicamente, será do NVOCC que o ARMADOR deve receber o PROTESTO no destino. Se este faltar com sua obrigação culpabiliza-se pessoalmente frente ao CONSIGNATÁRIO isentando o ARMADOR e prejudicando a si próprio, pois caso não proteste o ARMADOR em SEU NOME tornar-se-á o único responsável pelo dano à carga frente ao importador, isentando o transportador!


Em resumo têm-se que o NVOCC de destino deve PROTESTAR o transportador que recebeu como BOA a carga na origem e a entregou avariada. Ato seguinte, envia uma cópia do PROTESTO ao IMPORTADOR, após a DESCONSOLIDAÇÃO. Este, querendo, pode acionar o Armador buscando reparação do dano à mercadoria.


É de se recordar que o NVOCC, quando utilizado, é o único contratante conhecido pelo Transportador. Se falhar no PROTESTO, prejudicará o cliente, podendo ser responsabilizado por seu ato.


Nas outras modalidades em que se usam Conhecimentos de Carga DIRETOS, sem envolver NVOCC´s, serão os importadores e exportadores nominados como embarcadores e consignatários no conhecimento de carga, emitido pelo Transportador, os que devem apresentar a CARTA PROTESTO ao transportador, resguardando seus direitos e os da SEGURADORA, contra avarias em suas cargas (CCB - Art. 754).


Entende este autor que a atual prática dos importadores, que se utilizam de NVOCC´s para o transporte de suas cargas, descaracteriza PROTESTOS enviados por CONSIGNATÁRIOS aos ARMADORES, por serem TERCEIROS no contrato de frete firmado entre NVOCC´s e ARMADORES, permitindo a aplicação da máxima latina: “res inter allio acta aliis nec nocet nec prodest”. 


Termina-se este estudo alertando Transportadores, NVOCC´s, Importadores, Exportadores e usuários de transporte para outro fato interessante. A legislação não exige qualquer modelo de texto ou meios de envios de PROTESTOS contra os transportadores. Portanto, eles podem se dar, tanto por carta registrada quanto por email em que se use um aplicativo que não só envie o Protesto ao Transportador, mas que também receba a confirmação de que o mesmo foi entregue em até 10 dias da chegada da carga ao destino. Não há obrigação de que o protesto seja lido, mas apenas a confirmação de entrega do ao destinatário.


O objetivo deste paper é servir de alerta aos NVOCC´s de suas responsabilidades frente a carga dos seus clientes e sobre suas próprias ações frente à uma avaria, sem protesto válido. A prática atual de se emitir vários protestos não é correta. Além de se perder tempo e dinheiro, todos estes protestos serão descartados por falta de objetividade frente ao verdadeiro causador do dano.


1 “Armador sem navio”
2 Agente desconsolidador: NVOCC de destino, agente de cargas ligado ao embarcador na origem para receber a carga e efetuar o recebimento dos Originais das mãos dos importadores. Seus responsáveis são cadastrados na alfândega e no Departamento do Fundo da Marinha Mercante (DEFMM). São consignatário no conhecimento “master”, sendo responsável pelo registro do Manifesto e liberação dos conhecimentos “HBL” para despachos na Alfandega de destino.
3 LATIM: Terceiros não envolvidos na relação contratual não se submetem aos efeitos do mesmo”. Em Inglês: “A thing done between others does not harm or benefit others”.
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